segunda-feira, 21 de março de 2022

 

Filólogo, poeta e ficcionista cabo-verdiano, Baltazar Lopes da Silva nasceu em 1907, na Vila da Ribeira Brava (ilha de S. Nicolau), em Cabo verde, e iniciou, no seminário da mesma localidade, os estudos secundários, que terminou em S. Vicente. Licenciado em Direito e Filologia Românica com excelentes classificações pela Universidade de Lisboa, voltou para Cabo Verde e ingressou como professor no Liceu Gil Eanes, de S. Vicente, sendo mais tarde nomeado reitor do mesmo estabelecimento.

Filólogo, poeta, professor, novelista e ensaísta, Baltazar Lopes, além de ter diversos contos publicados em várias revistas, publicou também muitos poemas sob o pseudónimo de Osvaldo Alcântara. Esta produção poética está justamente representada em várias antologias. Em 1947, publicou o seu primeiro romance, Chiquinho, que retrata, com uma autenticidade e um realismo muito fortes, a força dramática do povo cabo-verdiano, revelando gentes, costumes, problemas íntimos e familiares, paisagens, solidão e angústia. Por isso, esta é considerada uma obra de profunda densidade poética cujas melhores páginas identificam Baltazar Lopes com alguns dos maiores escritores de língua portuguesa,
Sendo um escritor crioulo e consciente da sua posição de homem posto perante os grandes problemas da nossa época, organizou uma Antologia da Ficção Cabo-Verdiana. Em 1956, publicou o folheto polémico Cabo Verde visto por Gilberto Freyre e, em 1957, O Dialeto Crioulo de Cabo Verde.
Baltazar Lopes faleceu em 1990, em Cabo Verde

     Saudade fina de Pasárgada

Em Pasárgada eu saberia
onde é que Deus tinha depositado
o meu destino…
e na altura em que tudo morre..
(Cavalinhos de Nosso Senhor correm no céu;
A vizinha acalenta o choro do filho rezingão;
Tói Mulato foge a bordo de um vapor;
O comerciante tirou a menina de casa;
Os mocinhos da minha rua cantam:
indo eu, indo eu, a caminho de Viseu…)

na hora em que tudo morre,
esta saudade fina de Pasárgada
é um veneno gostoso dentro do meu coração.

  A SERENATA

 

Vestida de gemidos de bordão,

lancinâncias de violino,

na noite parada

vem descendo a seresta.

 

Sumiu-se a cidade barulhenta

inimiga das crianças e dos poetas.


Uma voz canta sentimentalmente um samba.

Aquele aperto de mão não foi adeus!

Os cavaquinhos desmaiam de puro sentimento,
a cidade morreu lá longe,
e a lua vem surgindo cor de prata.

                   Nessa história de amor todos são iguais,
                   até o rei volta sua palavra atrás...

O meio tom brasileiro deixa interrogativamente a sua nostalgia.

                   É hora que os poetas escolheram
                   para a procura dos seus mundos perdidos...

Amanhã a cidade virá novamente
inimiga dos poetas.
Mas agora ela dorme,
ela não sabe que os poetas falam com Nossenhor,
com a lua e as estrelas,
nesta hora tão lírica...

Menina romântica, irmã
das crianças e dos poetas...
A tua janela, florida de esperanças,
é um mistério que a cidade não entende.

Passa a serenata.
Mas no coração dos que temem a primeira luz do dia que vai chegar
ficam os gemidos do violão e do cavaquinho,
vozes crioulas neste noturno brasileiro
de Cabo Verde.

        


RESSACA

Venham todas as vozes, todos os ruídos e todos os gritos
venham os silêncios compadecidos e também os silêncios satisfeitos;  venham todas as coisas que não consigo ver na superfície da sociedade dos homens, venham todas as areias, lodos, fragmentos de rocha
que a sonda recolhe nos oceanos navegáveis;
venham os sermões daqueles que não têm medo do destino das suas palavras venha a resposta captada por aqueles que dispõem de aparelhos detetores                                                                 apropriados;
volte tudo ao ponto de partida,
e venham as odes dos poetas,
casem-se os poetas com a respiração do mundo;
venham todos de braço dado na ronda dos pecadores,
que as criaturas se façam criadores
venha tudo o que sinto que é verdade
além do círculo embaciado da vidraça...
Eu estarei de mãos postas, à espera do tesouro que me vem na onda do mar...
A minha principal certeza é o chão em que se amachucam os meus joelhos doloridos,
mas todos os que vierem me encontrarão agitando a minha lanterna de todas as cores
na linha de todas as batalhas.

 

FILHO

Nicolau, menino, entra.
Onde estiveste, Nicolau,
que trazes a arrastar
o teu brinquedo morto?

Nicolau, menino, entra.
Vem dizer-me onde foi que tu estiveste
e a estrela fugiu das tuas mãos.

Tens comigo o teu catre de lona velha.
Deita-te, Nicolau, o fantasma ficou lá' longe.

Dorme sem medo
Porão, roça, medos imediatos,
tudo ficou lá longe.

Quando acordares a jornada será' mais longa.
Nicolau, menino,
onde foi que deixaste
o corpo que te conheci?
Deus há-de querer que o sono te venha depressa
no meu catre.

http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_africana/cabo_verde/osvaldo_alcantara.html


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