MANUEL LOPES
Manuel dos Santos Lopes mindelo São Vicente(Cabo Verde) 23 de Dezembro de 1907 — Lisboa,25 de janeiro de 2005 foi um ficcionista, poeta e ensaísta e um dos fundadores da moderna literatura cabo-verdiana que,
Manuel Lopes escrevia os seus textos em português, embora utilizasse nas suas obras expressões em Crioulo Cabo-Verdiano. Foi um dos responsáveis por dar a conhecer ao mundo as calamidades, as secas e as mortes em São Vicente e, sobretudo, em Santo Antão. Vicente e, sobretudo, em Santo Antão
https://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Lopes
Solidão
os ofendidos e humilhados
os torturados
os loucos:
meu abraço é cada vez mais largo
envolve-os a todos!
Ó minha vontade, ó meu desejo
— os pobres e os humilhados
todos
se quedaram de espanto!...
(A luz do Sol beija e fecunda
mas os místicos andaram pelos séculos
construindo noites
geladas solidões.)
Tragédia
e as quatro operações, de cor e salteado.
Era um menino triste:
nunca brincou no largo.
Depois, foi para a loja e pôs a uso
aquilo que aprendeu
— vagaroso e sério,
sem um engano,
sem um sorriso.
Depois, o pai morreu
como estava previsto.
E o Senhor António
(tão novinho e já era «o Senhor António»!...)
ficou dono da loja e chefe da família...
Envelheceu, casou, teve meninos,
tudo como quem soma ou faz multiplicação!...
E quando o mais velhinho
já sabia contar, ler, escrever,
o Senhor António deu balanço à vida:
tinha setenta anos, um nome respeitado...
— que mais podia querer?
Por isso,
num meio-dia de Verão,
sentiu-se mal.
Decentemente abriu os braços
e disse: — Vou morrer.
E morreu!, morreu de congestão...
Anseios
No teu imenso anseio de liberdade?
Toma cautela com a realidade;
Meu pobre coração olha cais!
Deixa-te estar quietinho! Não amais
A doce quietação da soledade?
Tuas lindas quimeras irreais
Não valem o prazer duma saudade!
Tu chamas ao meu seio, negra prisão!...
Ai, vê lá bem, ó doido coração,
Não te deslumbre o brilho do luar!
Não estendas tuas asas para o longe...
Deixa-te estar quietinho, triste monge,
Na paz da tua cela, a soluçar!...
Tu e Eu Meu Amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.
Nua a mão que segura
outra mão que lhe é dada
nua a suave ternura
na face apaixonada
nua a estrela mais pura
nos olhos da amada
nua a ânsia insegura
de uma boca beijada.
Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.
Nu o riso e o prazer
como é nua a sentida
lágrima de não ver
na face dolorida
nu o corpo do ser
na hora prometida
meu amor que ao nascer
nus viemos à vida.
Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.
Nua nua a verdade
tão forte no criar
adulta humanidade
nu o querer e o lutar
dia a dia pelo que há-de
os homens libertar
amor que a eternidade
é ser livre e amar.
Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.
Romance do Terceiro-Oficial de Finanças
assim misturadas com luas e estrelas
e a voz vagarosa como o andar da noite!
As coisas incríveis que eu te contava
e me deixavam hirto de surpresa
na solidão da vila quieta!...
Que eu vinha alta noite
como quem vem de longe
e sabe o segredo dos grandes silêncios
- os meus braços no jeito de pedir
e os meus olhos pedindo
o corpo que tu mal debruçavas da varanda!...
(As coisas incríveis eu só as contava
depois de as ouvir do teu corpo, da noite
e da estrela, por cima dos teus cabelos.
Aquela estrela que parecia de propósito para enfeitar os teus cabelos
quando eu ia namorar-te...)
Mas tudo isso, que era tudo para nós,
não era nada da vida!...
Da vida é isto que a vida faz.
Ah! sim, isto que a vida faz!...
- isto de tu seres a esposa séria e triste
de um terceiro-oficial de finanças da Câmara Municipal!...
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